Gangues, Gênero e Juventudes: Donas de Rochas e Sujeitos Cabulosos

Gangues, Gênero e Juventudes: donas de rocha e sujeitos cabulosos é um livro importante, que presta significativa contribuição aos estudiosos brasileiros no esforço coletivo de preencher uma grave lacuna: conhecer a intimidade intersubjetiva e as condições sociológicas envolvidas na tessitura cotidiana e capilar das redes sociais jovens denominadas “gangues”, que empregam suas energias em intervenções transgressoras no espaço urbano, mobilizam a violência como forma de linguagem ordinária e transitam, instáveis, sobre o fio tênue das classificações jurídico-políticas e sobre a linha débil das taxonomias culturais. A tal ponto que o próprio título “gangue” oscila entre o estigma, a acusação, a identidade e a categoria descritiva. Miriam Abramovay, coordenadora das pesquisas cujos resultados encontramse expostos na obra, e pesquisadores – Anna Lúcia Cunha, Priscila Calaf, Mary Garcia Castro, Luiz Felipe de Carvalho, Max Maciel, Roberto Neiva e Marisa Fefferman – tornam-se, portanto, credores de nosso reconhecimento público. Cuidadosos e atentos aos debates internacionais, os autores evitam, prudentemente, generalizações. Os fenômenos objeto de sua observação nem sempre podem servir de orientação para a análise de padrões flagrados, analiticamente, fora da órbita de Brasília e das cidades satélite no Distrito Federal. Há, certamente, diálogo entre formas análogas de organização da experiência e de ordenamento de sentimentos, valores, práticas e visões de mundo, em outras regiões do Brasil e do exterior. Não só porque situações e trajetos biográficos se assemelham, como também porque cada constelação urbana é permeável a informações que circulam nas mídias eletrônicas, nas imagens e símbolos oriundos de outras realidades geograficamente distantes – mas antropológica, econômica, sociológica e psicologicamente afins. De todo modo, convergências e dessemelhanças, analogias e singularidades constituem os ingredientes indispensáveis à própria trama dos estudos comparativos. Por isso, este livro deve ser lido como uma cartografia hermenêutica de um drama social específico, na medida em que se debruça sobre uma certa circunscrição empírica, historicamente construída. Entretanto, a despeito dessa assumida focalização, serve de guia a todos os que pesquisamos a travessia dos jovens pelo tormentoso campo da violência e da liminaridade, independentemente das peculiaridades locais e das diferenças.