Círculos de Justiça Restaurativa e de Construção da Paz

Desde 2005, o Projeto Justiça para o Século 21 dedica-se a difundir as boas práticas da Justiça Restaurativa (JR), tendo por objetivo pacificar conflitos e violências envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se de uma iniciativa interinstitucional articulada pela Escola Superior da Magistratura da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, através do seu Núcleo de Justiça Restaurativa. A formatação dos encontros promovidos pelo Projeto foi baseada nas Conferências de Justiça Restaurativa da Nova Zelândia, enquanto a metodologia de condução foi fundamentada na Comunicação NãoViolenta (CNV) de Marshall Rosenberg. Paralelamente às experiências práticas, estudos teóricos sobre Justiça Restaurativa e CNV contribuíram para uma abordagem crítica dos modelos de relacionamento hierárquicos legados pela nossa cultura patriarcal, que potencializa posturas autoritárias e tende a instalar mecanismos de subjugação e controle. Propensões que encontram no controle jurídico-penal sua expressão máxima, mas que também se revelam de forma sutil no cotidiano dos relacionamentos. A CNV muito ajudou a evidenciar as formas mais sutis de violência que contaminam nossa linguagem e reverberam negativamente nos relacionamentos, debilitando laços sociais e fragmentando comunidades. Ao mesmo tempo, estudos e práticas de Justiça Restaurativa permitiram perceber o quanto o déficit de coesão social daí resultante, agravado pela nossa dificuldade de oferecer “ feed backs” e de promover responsabilidade de maneira confiável e respeitosa, acaba por tornar nossas comunidades mais instáveis e consequentemente menos seguras. Foi no curso dessa trajetória que, em 2010, a “comunidade de aprendizagem” do Justiça 21 recebeu a visita da Profª Kay Pranis, com seus ensinamentos sobre os Círculos de Construção de Paz – vertente das práticas restaurativas inspirada nos povos indígenas norteamericanos e canadenses. Numa iniciativa do Justiça 21, com apoio da UNESCO/Criança Esperança e em cooperação com diversos parceiros locais, a Profa. Kay Pranis esteve no Brasil em outubro daquele ano cumprindo um roteiro de conferências e oficinas em quatro Estados (MA, RJ, RS, SP), que refletirá em verdadeiro divisor de águas na difusão da Justiça Restaurativa no país. A par de as aulas da Profª Kay encantarem a todos, pela suavidade e pelo refinamento, a metodologia dos Círculos de Construção de Paz mostrou-se de fácil apropriação e capaz de produzir resultados concretos imediatos: já na semana seguinte às oficinas os participantes venciam as usuais barreiras entre teoria e prática, e anunciavam a realização dos seus primeiros círculos. Além da funcionalidade, os Círculos de Construção da Paz trouxeram importante contribuição ao ajudarem a compreender que processos circulares não se confundem com processos restaurativos, embora possam – e devam – conviver sinergicamente com eles. Ou seja, nem toda prática circular, ainda que inspirada em valores restaurativos, deve ser considerada uma prática restaurativa: melhor reservar o conceito para a abordagem de situações conflitivas. Essa clareza ajudou a iluminar uma indeterminação conceitual que tendia a se alastrar perigosamente, levando à vulgarização e depreciação da novidade restaurativa. Ao distinguir de forma não excludente os distintos campos de aplicação das práticas circulares e das práticas restaurativas, a concepção reforça a conexão estratégica entre ambos, possibilitando difundir mais amplamente as práticas circulares aplicadas a situações não conflitivas, e ao mesmo tempo abrindo caminho para introduzir as práticas propriamente restaurativas. Isso porque, quanto mais fizerem uso das práticas circulares, mais nossas instituições e comunidades poderão, progressivamente, amadurecer um autêntico modelo de democracia interna, promovendo experiências dialógicas valiosas por si só, mas também propícias à fertilização do ambiente comunitário e à formação de um quadro de colaboradores aptos a facilitarem as práticas propriamente restaurativas, quando se tornem oportunas e necessárias. Por isso tudo, os subsídios práticos representados pelo “Guia do Facilitador de Círculos” e “ – Guia de Práticas Circulares No Coração da Esperaça”, cujos direitos foram graciosamente cedidos pelas autoras, representam a um só tempo um impulsionamento estratégico na difusão da Justiça Restaurativa, e também abrem um leque de benefícios que não se esgota nela. Esse o motivo da escolha dessas obras para a tradução e divulgação que, mais uma vez sob patrocínio da UNESCO e Criança Esperança, ora compartilhamos.