A Noção de Família em Processos Judiciais: Uma Análise a Partir de Casos de Violência Sexual Infantil

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, traz a perspectiva da proteção integral da infância e da adolescência como prioridade para toda a sociedade, baseando-se no texto da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989 e a Constituição Federal Brasileira, de 1988. Uma das principais diferenças do Estatuto em relação aos antigos Códigos de Menores (de 1927 e de 1979) é a afirmação de que a falta de recursos materiais não se caracteriza como um motivo para que a família perca o pátrio poder de seus filhos. Apesar de tal prerrogativa, pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que o principal motivo da aplicação da medida de proteção de abrigamento de crianças, no Brasil, é a pobreza. A pesquisa teve por objetivo analisar as noções de família em 26 processos judiciais de casos de violência sexual infantil de uma Vara da Infância e Juventude (VIJ) na cidade de São Paulo. Tinha-se como hipótese que tais noções de família que circulam na elaboração dos documentos que compõem o auto judicial constituem elementos importantes na tramitação destes na VIJ, possibilitando que alguns processos se encerrem e outros não. Os processos judiciais, nesta dissertação, foram compreendidos a partir de duas perspectivas: a) como práticas discursivas (compreendendo a linguagem em ação, tomando-as em sua dialogia) e b) como dispositivo (tal conceito pode ser apreendido como redes heterogêneas de práticas/discursos/instituições que têm por objetivo a captura do ser humano, a partir de relações de poder-saber). Como resultado, foi possível identificar três discursos com relação à noção de família que operam modos de conduzir os processos: a família negligente, a família desestruturada/conflituosa e a família e a as condições socioeconômicas, este último aspecto como um dispositivo privilegiado de captura dessas famílias em torno da noção de pobreza. Por fim, foi observado que a violência sexual infantil, ao longo dos processos, tornou-se, ela mesma, um dispositivo de captura dessas famílias em torno da noção de família negligente: sai de cena família em situação de violência e entra a família que negligencia cuidados.

A NOÇÃO DE FAMÍLIA EM PROCESSOS JUDICIAIS UMA ANÁLISE A PARTIR DE CASOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL