Caderno de Conservação e Restauro de Obras de Arte Popular Brasileira

Assim como o conhecimento transcende, cada vez mais, as fronteiras das especialidades, o desafio atual da UNESCO tem sido tratar de maneira articulada e complementar seus programas e instrumentos normativos na área da Cultura. E nesse ambiente de interdisciplinaridade, os Museus são vistos como um espaço-síntese para um enfoque integrado do patrimônio e da diversidade cultural, uma vez que representam, por excelência, espaços educadores para a compreensão mútua e a coesão social. Com base nesses pressupostos, a UNESCO tem optado por focalizar sua ação na área de Museus nos países menos desenvolvidos, nas regiões de conflito e nas coleções mais significativas para a compreensão integrada do patrimônio e sua potencial contribuição para o desenvolvimento econômico, social e humano. Elemento central dessa estratégia é a construção de programas de formação para profissionais que atuam nos mais diversos contextos, muitos deles demandados a gerir ou a agir diretamente sobre temas que requerem uma vasta gama de áreas de conhecimento e de habilidades, desde a promoção de programas educativos, até a conservação preventiva e a segurança das coleções. Por essa razão, os programas de formação promovidos ou apoiados pela UNESCO têm privilegiado as técnicas simples e eficazes para a salvaguarda das obras, produzido material pedagógico e reforçado as redes de profissionais e de associações. A contribuição da UNESCO ao Museu Casa do Pontal para a sistematização e difusão do seu conhecimento sobre conservação de sua coleção de arte popular alinha-se perfeitamente com as preocupações e prioridades que descrevemos. O Museu reúne um conjunto de práticas exemplares, a começar pela origem da coleção, resultado do rigor e da persistência de anos de um particular, situação ainda tão rara no Brasil. Jacques Van de Beuque reuniu, e hoje estão disponíveis ao público, peças de arte popular de todo o país, objetos até então condenados à efemeridade, não apenas pelo seu suporte físico, mas por não serem considerados arte, menos ainda merecedores de tratamento museológico. Essa origem se relaciona diretamente com a vocação do Museu do Pontal para as parcerias, para o trabalho integrado com a comunidade e para a educação. Por utilizarem os materiais que se tem à mão, sobretudo o barro e a madeira, ou outros ainda mais frágeis e diversos, como a areia, palha, contas, tecidos, latões, penas de aves, e, ainda, por não terem sido produzidos com a intenção consciente de perenidade, os objetos de arte popular desafiam as técnicas de conservação. Somente o enfrentamento cotidiano de uma variedade de situações concretas poderia dar subsídio a um mínimo de generalização, se não de técnicas, pelo menos de critérios que possam ser transportados para outras situações. Esse é o resultado imediato que almejamos ter alcançado com esse caderno. Mas, além de um manual que possa ser disseminado entre os museus com vistas à conservação de coleções análogas, pretende-se um pouco mais. É importante estimular a conservação de acervos existentes, não disponibilizados ou precariamente disponibilizados ao público, valorizando e ampliando o acesso à produção de arte popular em um país tão vasto e diverso como o Brasil. Segundo Angela Mascelani, diretora do Museu Casa do Pontal, essa produção que “apresenta os principais temas da vida social e do imaginário – seja por meio da criação de seres fantásticos ou de simples cenas do cotidiano – numa linguagem em que o bom humor, a perspicácia e a determinação têm lugar de destaque. (…) tem um “forte poder de comunicação, que ultrapassa as fronteiras de estilos de vida, situação socioeconômica e visão de mundo, interessando a todos de maneira indistinta.” Além do seu valor em si, pode desempenhar um papel importante na valorização das práticas, dos conhecimentos e das visões de mundo de parcela da população cujas expressões são pouco ou nada visíveis, apartada dos museus e das oportunidades de trocas culturais mais justas e equilibradas.