As noções de risco e desafiliação no trabalho social com a infância

A proposta deste trabalho foi analisar repertórios presentes no trabalho social com a infância e adolescência em situação de violência, mais especificamente as noções de risco e desafiliação. Tais noções foram incorporadas à área psi e às políticas públicas muitas vezes de maneira a-crítica, daí a importância de reconstituir sua gênese histórica e de analisar suas implicações. Para tanto, inicialmente contextualizamos o trabalho social e sua dimensão de governamentalidade, na perspectiva de M. Foucault e J. Donzelot. O trabalho social origina-se no século XIII, numa primeira configuração denominada assistencial , que operava uma gestão racional da indigência, por meio da filantropia; no século XIX toma outra configuração, a tutelar , no hiato entre os ideais da democracia (igualdade no acesso de direitos sociais básicos) e do liberalismo do mercado (impossibilidade dos ideais democráticos), na tentativa de diminuir a desigualdade social. O trabalho social fundou-se tendo a população infantil como um dos alvos principais de governamentalidade. Em 1990, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe uma perspectiva de direitos ou de cidadania para proteção dessa população. A mutação em curso sugere, no entanto, que o regime tutelar ainda perpassa as práticas em curso já na égide do ECA, como veremos no debate colocado pelas noções de risco e desafiliação. O debate sobre essas noções foi realizado a partir da análise de conteúdo e problematização de produções acadêmicas da base de dados virtual Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia (BVS Psi). Escolhemos artigos que trouxessem a definição das noções de risco e desafiliação e que fossem relativos à área da infância. Quanto à noção de risco, identificamos quatro usos: oposta à cidadania; tipológica; desenvolvimentista e econômica. Em relação à noção de desafiliação, encontramos três usos: conforme Castel; oposta à filiação e como um tipo de violência. A diversidade de usos nos permitiu identificar inflexões ora mais afeitas ao regime tutelar ora ao de direitos. Na perspectiva desenvolvimentista e econômica, vários artigos reiteram um estigma da infância em risco/desafiliada como a menoridade, a infância pobre, infância anormal, atípica, ameaçadora, com custo social. As noções de risco e desafiliação estão articuladas a estratégias de governamentalidade e, muitas vezes, podem reiterar o regime tutelar. São diferentes usos que refletem posições ético-políticas diferentes do trabalho social. Convém analisar as práticas no campo social, seus efeitos para que possam se aproximar mais do regime da cidadania e dos direitos da infância. Os aportes de Donzelot e Foucault nos permitiram debater os desafios da implantação de um regime de direitos no âmbito da infância e da adolescência no Brasil e da superação de uma ótica tutelar ou assistencial.

AS NOÇÕES DE RISCO E DESAFILIAÇÃO NO TRABALHO SOCIAL COM A INFÂNCIA